MARCADORES

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cegueira social...

Partindo da máxima mamonística (pô pessoal, Mamonas Assassinas!) de que ”Pediatra é quem cuida da saúde dos pés”, fui visitar meu “olhista” nesta tarde.

Como consegui marcar minha consulta em horário não compatível com o horário do meu ônibus (transporte cedo, consulta tarde), acabei por dar umas “bandas” pelas ruas marauenses por mais de duas horas.

Depois de chegar a conclusão de que mal era capaz de reconhecer a rua onde morei por mais de um ano e de que as coisas mudam cada vez mais rápido(tudo mesmo, pessoas, cores, ruas...), resolvi visitar a velha praça do centro da cidade, onde por mais de uma tarde de verão sentei com “os parcerias” para entornar algumas(várias) cervejas “estalando” de tão geladas. Bons tempos...

Me peguei em um riso desconcertado, meio bobo, ao perceber que a nostalgia tinha me feito perder a lógica da coisa! Velha praça, doce esperança!!

Quando cheguei, os bancos, brancos de madeira e concreto, não estão mais lá. Os “cantos” da praça, onde a gurizada ia dar uns “chega mais” nas gurias, não existem mais, dando lugar a uma espécie de rio, onde a única coisa natural é a água (devidamente clorada e fluoretada, claro) e a um grande banheiro público, os velhos brinquedos, de madeira e aço, deram lugar a plástico, de cima a baixo, mais um monumento ao petróleo, presente em tudo e em todos.

Mas nada disso me chamou mais a atenção do que um jovem, um pouco mais novo que eu aparentemente, que com dificuldade para falar, pediu um cigarro (habito maldito que vou deixar... um dia).

Com dificuldades motoras, pegou o cigarro e levou à boca. Com certa inocência, tentando ser prestativo, ofereci fogo (uma caixinha de Zippo à lenha que trago comigo). A resposta veio como uma tijolada da fronte: - Eu não consigo acender com fósforo não senhor! Desconcertado (totalmente), acendi o cigarro dele e cada um de nós seguiu seu caminho, eu caminhando rumo ao consultório do meu “olhista”, ele para qualquer lugar de sua rotina.

Nesta vida totalmente desligada da idéia de igualdade, somos habituados a dividir o mundo entre “nós” e “eles”. Nós somos bons, eles maus. Nós somos civilizados, eles não. Nós temos consciência, eles não. Nós sabemos votar, eles não(eu não podia perder essa!). Eu, como um de “nós”, não podia ter me comportado desta forma! Eu sou bom, sou consciente, eu ajudo as criancinhas, ligo pro Criança Esperança, doo agasalhos no inverno, eu sou um de nós, não um do lado “deles”, maus, sem coração, que simplesmente não enxergam o problema dos outros!

Hoje me vi como um deles, uma pessoa cega ao problema alheio, que não é capaz de ver um palmo diante do nariz. Eu deveria ter notado, deveria ter percebido que aquela pessoa não seria capaz de usar seus polegares opositores de forma a riscar o fósforo que eu oferecera. Simplesmente, de alguma forma, eu criei uma barreira a uma pessoa com limitações. Exagero? Não, no meu ponto de vista não!

A partir daí, comecei a olhar a minha volta e perceber que, apesar de tudo estar tão diferente, algumas coisas não mudaram. Faltam rampas de acesso, as escadas brotam das lojas e repartições como se fossem muralhas, intransponíveis para alguns, mas de uso pleno para “nós”.
Não há cordões rebaixados para acesso nas esquinas (pelo menos não em todas), calçadas em mal estado de conservação, rampas para cadeirantes? Nem vi! Sem contar que, mesmo procurando, não encontrei nenhuma vaga de estacionamento que fosse exclusiva para deficientes. Mesmo com todas as campanhas, todos os alertas e tentativas de conscientização, certas coisas estão exatamente como antigamente: inacessíveis a quem tem limitações físicas.

Que fique claro, não há nenhuma forma de discriminação aqui. Usei a cidade de Marau apenas como exemplo, pois foi onde “me caiu a ficha”. Isso poderia ter ocorrido em qualquer lugar, em outra cidade, em outro Estado desta nação.

Somos um país de diferenças, em todas as suas nuances, mas não respeitamos isso, não fazemos muita coisa. Por quê? Porque pra “nós” está bom, o problema é com “eles”.

Hoje me ví como um deles, não uma pessoa deficiente, mas como um dos filhos de uma p.... que não são capazes de ver isso acontecendo a sua volta e que, do alto de sua porca perfeição, simplesmente ignoram, ou ainda pior, não veem de tão cegos que são...

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